Suméria - berço da civilização

“Lux ex Oriente”[i]

Como elemento essencial à vida, a água sempre condicionou a atividade humana, não surpreendendo que as primeiras cidades[ii] e civilizações tivessem prosperado junto a grandes rios que, pela fertilidade das suas margens, constituíram então um atrativo para a fixação das populações nómadas. E se utilizarmos o rio como analogia para nele situarmos a civilização Suméria no contexto histórico, da evolução tecnológica e cultural da humanidade, situamo-la lá, muito próxima da nascente. Não obstante a matriz da nossa cultura ocidental ter um cunho marcadamente greco-romano, civilizações que têm o seu apogeu quando esse rio da história já fluía de forma vigorosa, foi na mesopotâmia, muitos séculos antes do período clássico, que se operaram verdadeiras revoluções em vários domínios da vida humana, na relação dos homens entre si, com o mundo e com os deuses.

De entre o vasto número de invenções e inovações empreendidas pelos Sumérios, destacou-se a invenção da escrita, resultado duma necessidade prática e burocrática dos templos e dos palácios que regiam as transações comerciais, para contabilizar e inventariar produtos e registar transações, acabando a inovação por contribuir de forma decisiva para veicular ideias, pensamentos e acontecimentos que até aí se transmitiam (apenas) através da oralidade, evoluindo do seu carácter ideográfico, transformando-se num sistema de comunicação eficaz, adquirindo valor fonético e mais tarde, com os gregos, alcançado a forma alfabética. Recorrendo a placas de argila, onde com um estilete faziam as inscrições, os Sumérios legaram-nos um vasto número de documentos com abundantes detalhes sobre a realidade social, económica e política da época, inúmeros provérbios, canções e textos sábios, destacando-se entre as suas produções literárias as narrativas míticas, O Mito da Criação e a Epopeia de Gilgamesh que, a julgar pelas inúmeras versões e traduções, terão sido bastante populares, tendo inspirado a bíblia hebraica, escrita um milénio depois. A criação divina do primeiro homem e da primeira mulher, a ideia de um dilúvio, a personagem Noé ou a história de Moisés, são criações da literatura Suméria que mais tarde encontrariam correlação na bíblia, perpetuando-se nos tempos, inspirando inúmeras criações artísticas, fazendo parte do nosso imaginário coletivo.

A mitologia floresceu na Suméria, possuindo cada cidade-Estado os seus próprios deuses dotados de valores éticos e morais que atualmente continuam a ser universalmente aceites e que então serviam como referência, guiavam o comportamento e a vida dos homens. Os sacerdotes, além da orientação espiritual do povo, tiveram numa primeira fase funções de Estado alargadas, da economia à liderança militar, que posteriormente passaram a ser exercidas pelos reis. No entanto, mantiveram-se sempre destacados num modelo de sociedade com uma estrutura piramidal que se iria perpetuar nos tempos, em todas as civilizações e períodos históricos. O politeísmo, as hierarquias e as ligações e relacionamentos novelescos entre deuses, seriam características da mitologia Suméria que transitariam para a mitologia Grega e daí para a Romana.

O nepotismo e a teocracia têm as suas primeiras manifestações na Mesopotâmia, acabando também por constituir uma herança dos Sumérios, sendo desde então formas de governo recorrentes em vários momentos da história e atualmente com uma forte implementação nos países islâmicos. Igualmente o belicismo que era uma constante na região do crescente fértil, prevalece no médio oriente num constante clima de antagonismo entre vários países beligerantes que apesar de unidos numa mesma crença religiosa, divergem mesmo internamente em múltiplas etnias eternamente inconciliáveis.

Pioneira na matemática, astronomia, medicina e das artes, a sociedade Suméria atingiu um tal nível de sofisticação que houve necessidade de se redigir o primeiro código de Leis[iii]. A escola surge também como resultado da complexidade social, da necessidade do ponto de vista prático, preparar as elites para as suas funções e outros funcionários para, principalmente, a atividade comercial, incidindo nesse sentido a aprendizagem sobre cálculos e a medição de pesos e volumes.

A invenção da roda, da agricultura, da pecuária, da literatura e do poema, do calendário de 12 meses, da aritmética, da navegação à vela, a descoberta dos primeiros planetas, a lista de contribuições da impar civilização Suméria para a cultura e progresso humano é extensa, não significando porém que a humanidade não tivesse progredido sem o engenho dos povos mesopotâmicos. Todas estas inovações, mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente acabariam por acontecer com outros protagonistas da história. Contudo é a esta civilização devido um reconhecimento e um respeito que, talvez pela sua localização no conturbado panorama geopolítico atual, têm sido esquecidos.

Bibliografia

KRAMER, Samuel Noah – A História Começa na Suméria, Lisboa: Publicações Europa-América, 1963

TAVARES, A. Augusto – As Civilizações Pré-Clássicas, Lisboa: Editorial Estampa, 1981

Webgrafia

MARK, J. J. (11 de abril de 2011). Sumer. Obtido em 15 de dezembro de 2019, de Ancient History Encyclopedia: https://www.ancient.eu/sumer/



[i] Adágio popular que remete para a luz (o sol nasce a oriente) relacionando-a e enfatizando o conhecimento que vem do Oriente.

[ii] Não existe consenso sobre qual a primeira cidade do mundo, sendo comumente aceite que teria sido fundada na Mesopotâmia entre 4500 a.C. e 3750 a.C. No entanto, China e India reclamam também este título e escavações recentes apontam para a existência de cidades na Turquia (Catalhöyük) e Palestina (Jericó) fundadas em cerca de 9000 a.C. O tema é controverso e suscetível de sofrer atualização face às descobertas arqueológicas que entretanto se venham a verificar. In, https://www.nationalgeographic.com/history/magazine/2019/03-04/early-agricultural-settlement-catalhoyuk-turkey/ e https://www.ancient.eu/article/951/early-jericho/.

[iii] O Código de Ur-Nammu (cerca de 2040 a.C), descoberto em 1952 por Samuel Kramer. Até então julgava-se que o Código de Hamurábi (cerca de 1772 a.C.) seria o conjunto de Leis escritas mais antigo da história.

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