Há muito que se descartou a natureza aleatória e inconsequente das manifestações megalíticas, reforçando os inúmeros estudos empreendidos, pelo contrário, o seu carácter simbólico, a relação íntima com cultos e rituais, a ligação ao território, a fenómenos de afirmação social, identitários, geográficos, naturais[i] e à morte.
Neste
último aspeto destacam-se os monumentos de carácter funéreo, os dólmens ou antas[ii],
sepulturas construídas com enormes blocos de pedra (menires) dispostos em
posição vertical (esteios) sobre os quais assenta uma laje na horizontal[iii],
formando uma câmara redonda ou poligonal onde se depositavam as ossadas[iv].
Estas construções revelavam-se elementos disruptivos na paisagem, mecanismos cerimoniais,
de perpetuação da memória, motivadas, possivelmente, por sentimentos de
reverência, pelo anseio de preencher um vazio deixado pela morte de indivíduos
importantes[v]
para os grupos, formas de homenagem materializadas para a eternidade que
contrariavam uma existência, afinal, dramaticamente efémera.
A
evolução das características arquitetónicas do megalitismo funerário decorreu de
forma coerente em todo o atual território continental português, exprimindo um
nível de desenvolvimento que não apresentava grandes variações nas diferentes
regiões, em sintonia com alterações sociais análogas, resultantes da
sedentarização das populações que, cada vez mais, tinham na agro-pastorícia a
sua principal fonte de subsistência.
A
anta vai evoluir da planta elipsoidal fechada para a câmara poligonal e
corredores longos, crescendo também em dimensão (numa primeira fase), evoluindo
também na sua própria funcionalidade,
passando a ser reutilizável, depois individual a partir do milénio III a.C, logo,
de menores dimensões, quando o esforço de construção das “casas para os mortos”[vi]
é desviado para a edificação de fortificações nos povoados.
O
espólio encontrado junto das ossadas ou com recurso a escavações permite
igualmente identificar uma relação com o tipo de arquitetura, tanto mais
complexa quanto mais evoluído o espólio[vii],
pese embora a ocorrência de situações aparentemente anacrónicas, passíveis de
serem explicadas pela posterior reutilização faseada dos locais ou eventual
trasladação das ossadas.
Não
obstante a coesão evolutiva verificada, é possível identificar alguns
particularismos locais, como acontece na Beira Alta, onde é mais recorrente o
dólmen com entrada marcada mas desprovida de corredor ou com o mesmo incipiente,
e espólio de características arcaicas que pode evidenciar um tipo de
agricultura mais rudimentar quando comparado com o praticado mais a sul.
A
região do Douro Litoral destaca-se pela existência de monumentos de maior
dimensão e complexidade que parecem indiciar a prática de cerimónias que podiam
traduzir demonstrações de prestígio por parte de elementos que se diferenciavam
socialmente.
O
aumento demográfico, com a consequente disponibilidade de mais mão-de-obra e
força de trabalho[viii],
bem necessário para erguer os empreendimentos megalíticos, poderá encontrar
correlação com a monumentalidade evidenciada no Neolítico[ix]
tardio alentejano, enquanto em Trás-os-Montes dominam as antas de câmara
simples e de pequena dimensão.
Já
na região de Nisa (Tejo internacional) encontram-se monumentos bastante
diversificados, revestidos de quartzo leitoso que acentuava a sua presença no
terreno.
Na
região da Estremadura observa-se com frequência o rebaixamento do solo junto às
estruturas predominantemente de calcário, alcançado através do escavamento, e
um espólio onde predominam objetos de natureza ritualística, vestígios de fogos
rituais, havendo evidências de uma forte e curiosa ligação cultural entre as
regiões da Figueira da Foz e Lisboa.
As
manifestações megalíticas na serra Algarvia são caracterizadas por uma
arquitetura evoluída e de considerável dimensão, destacando-se o complexo
funerário de Monchique com características peculiares (cistas de planta
sub-retangular), provavelmente influenciado pela ambiência geográfica única de
baixa montanha e com uma diversidade de espólio revelador de abundantes
contactos exteriores mantidos pela população.
As
construções megalíticas constituem o principal legado cultural das sociedades
pré-históricas, essencialmente do período neolítico, subsistindo atualmente um
pouco por toda a Europa atlântica, com particular incidência no território
português e mais concretamente no Alto Alentejo, região fértil, com
características geológicas ideais[x]
que pode considerar-se estar na génese de um fenómeno que dali teria irradiado
para regiões tão longínquas como a Grã-Bretanha ou Irlanda (CARDOSO, pp.189).
Bibliografia
CARDOSO, João Luís - Pré-história de Portugal, edições da Editorial Verbo (2002) e
Universidade Aberta (2007), ambas disponíveis online na plataforma de
E-Learning da Universidade Aberta.
OLIVEIRA, Catarina; ROCHA, Leonor; SILVA,
C. Marciano - Megalitismo funerário no
Alentejo Central — arquitetura e orientações: o estado da questão em
Montemor-o-Novo, Revista Portuguesa de Arqueologia, volume 10, número 2, 2007,
p. 35-74, acessível online em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/revistaportuguesadearqueologia/10_2/03-06/03-p.035-074.pdf
[i] Atente-se nas 69 antas localizadas
em Reguengos de Monsaraz, onde, à exceção de uma, todas têm a mesma orientação,
para o nascer do sol (Vitor Gonçalves, 1992).
[ii] Outras designações utilizadas:
arcas, orcas ou, menos frequentemente, palas.
[iii] As antas com falsa cúpula, porque
cobertas com pequenas lajes de xisto, são designadas por tolos ou tholoi.
[iv] Os corpos eram previamente
descarnados, por exposição ao ar ou com a ajuda de facas. (CARDOSO, pp. 202)
[v] O elevado número de tumulações nos
monumentos de maior dimensão podem contrariar esta ideia.
[vi] Designação retirada do artigo
“Megalitismo em Portugal”, de Luiz Oosterbeek, publicado na revista Pedra &
Cal, nº 40, em 2008.
[vii] Destaca-se a este nível os objetos
em sílex, um tipo de rocha muito dura e bastante densa, utilizada na confeção
de pontas das setas ou instrumentos de corte.
[viii] A construção de Stonehenge, talvez
o mais famoso monumento megalítico do mundo, terá correspondido a 20 milhões de
horas de trabalho (in, https://www.nationalgeographic.com/history/archaeology/stonehenge/)
[ix] Último dos três períodos da Idade
da Pedra, depois do Paleolítico e Mesolítico, o Neolítico estende-se do X
milénio até ao III milénio a.C. (esta datação varia consoante a fonte); período
também conhecido por Idade da Pedra Polida, antecedeu a Idade dos Metais
(Cobre, Bronze e Ferro, sucessivamente).
[x] Paisagem caracterizada pela abundância
de rochas graníticas.
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