Jorge
Branco[1]
Resumo
As
diferenças observadas na densidade populacional das diferentes regiões
portuguesas resultam de uma série de fatores naturais e humanos que se interrelacionam
entre si, geradores de um círculo-vicioso que tem tido como consequência o êxodo
rural das populações na direção das regiões litorais, fixando-se onde há
emprego, emprego que, por seu turno, se fixa onde existe mão de obra.
Introdução
Não obstante ser um país de reduzida
dimensão, sendo esta umas das razões apontadas pelos críticos para obstar à sua
regionalização político-administrativa, Portugal regista profundas assimetrias
económicas e sociais entre as diversas regiões que o compõem, às quais também
não são alheios contrastes ao nível da geografia física que se observam ao
longo do seu território.
O
litoral sempre atraiu as populações contribuindo para fenómenos de migração
interna potenciada com a crescente terceirização da economia portuguesa
registada principalmente a partir da década de 80 do século passado,
constituindo as duas grandes áreas metropolitanas (AM) de Lisboa e do Porto os
principais focos de atração de investimento e dos estratos mais dinâmicos da
população.
Apesar da densidade populacional do
país ter globalmente decrescido no período compreendido entre 2009 e 2019, de
112,9 para 109,9 habitantes por km2, continuaram a verificar-se
fluxos migratórios regionais que contribuíram para perpetuar o ciclo de desocupação
humana das regiões interiores que se arrasta há décadas.
A
atração do litoral
Menos sujeita à
influência do clima mediterrânico, que afeta principalmente as regiões
interiores, a faixa litoral, com o seu clima mais ameno e relevo menos
acidentado, é uma parcela do território português privilegiada onde se encontra
fixado a maior parte do tecido empresarial e consequentemente o emprego.
A
apologia de um estilo de vida costeiro tem igualmente vindo a ganhar força.
Viver na primeira linha de mar é cada vez mais um luxo não sendo por acaso que
os principais empreendimentos e centros turísticos se encontram muito próximos
e com uma estreita relação com o mar, pontuando o estar na praia quase como um
elemento iconográfico ligado ao bem-estar físico e emocional.
A
distribuição da população pelo litoral não é, contudo, homogênea. A região do
Alentejo Litoral apresenta uma densidade populacional semelhante à verificada
nas regiões interiores, pesando aqui fatores geomorfológicos que dificultaram a
fixação de povoados e o acesso às atividades marítimas, sendo a região caracterizada
por uma orla costeira alta e rochosa onde predominam as arribas.
O
papel do Estado e o triunfo da tecnocracia
Todas
as atividades humanas tendem para um ajustamento baseado nas leis do mercado, lógica
que vem sendo seguida e implementada nas mais diversas áreas, ajustando-se, por
exemplo, a quantidade de médicos e hospitais ao maior número possível de doentes,
tentando sempre atingir-se a maximização de recursos com o menor custo possível.
Postos de correio, as agências bancárias ou até mesmo esquadras de polícia e
tribunais[2], são fechados ou
deslocalizados em consequência de atos de gestão que prosseguem uma ideologia
tecnocrática, com decisões baseadas apenas em ratios e algoritmos que
definem aquilo que é somente o minimamente adequado para responder às
necessidades das populações. Contudo, benefícios económicos mais imediatos
podem revelar-se desastrosos no longo prazo. Veja-se o exemplo das centrais de
compras, um modelo centralizado de aquisição de bens consumíveis para os
diversos serviços do Estado que, de facto, resulta em poupanças significativas
baseadas nas aquisições em larga escala apenas a um único fornecedor. No
entanto esta medida coloca em causa a subsistência das economias locais onde se
encontram instalados aqueles organismos, sendo beneficiadas as empresas multinacionais
ou grandes empresas que invariavelmente ganham os concursos de fornecimento e que
centralizam as suas operações nos grandes centros urbanos.
Pessoas e empresas
Apesar
do fenómeno atrativo do litoral, existe ainda assim um fosso enorme com aquilo
que é a realidade das duas AM de Lisboa e do Porto[3] no que respeita quer ao
número de habitantes quer ao número de grandes empresas (não financeiras) ali
fixadas. Regra geral, conforme se pode verificar na fig. 2, estes dois indicadores
encontra-se correlacionados, sendo no entanto observável uma evidente disrupção
na AM de Lisboa, onde se acumulam 49,3% do número total de grandes empresas não
financeiras existentes no país, para uma população correspondente a (apenas)
27,8% do total nacional. Outras regiões como a do Algarve e a do Tâmega e Sousa,
pelo contrário, caracterizam-se pelo maior número de habitantes face a um menor
número de grandes empresas.
Densidade
populacional nas NUTS III
Em
termos médios globais a densidade populacional em Portugal recuou 2,7% no
período de dez anos compreendido entre 2009 e 2019, registando a AM de Lisboa
um único e singular aumento entre todas as NUTS III, fixado nos 1,5%, vendo a
sua densidade, já incomparavelmente superior face à larga maioria das regiões,
aumentar de 899,6 para 946,8 habitantes por Km2. Por seu turno, no
mesmo período registaram-se maiores diminuições na densidade populacional nas
regiões que em 2009 já apresentavam as mais baixas taxas, sendo este facto sintomático
duma transferência de populações quer para o litoral quer para países
estrangeiros.
Considerações
finais
As
regiões interiores destacam-se pelo seu nível de qualidade de vida contrastante
com o ritmo alucinante da vida urbana. Assiste-se a uma certa invasão de
elementos caracteristicamente urbanos que começam a marcar presença nas regiões
rurais, existindo zonas híbridas onde podem ocorrer também processos de
descaracterização dos lugares… A otimização das infraestruturas, a maior oferta
e qualidade das vias de comunicação e o alcance das telecomunicações aos pontos
mais remotos do território, que contrariam o seu tradicional isolacionismo,
parecem continuar, contudo, a não atrair as massas.
Mas
há cada vez mais desencantados[4] com a vida urbana que
passaram a prezar a pacatez dos campos, as suas tradições e os seus valores humanos,
patrimoniais, gastronómicos e paisagísticos, podendo perspetivar-se uma mudança
do atual paradigma para a qual as políticas de incentivo e de reforço da coesão
territorial por parte do Estado terão necessariamente de ser convocadas.
Referências
Diversos
artigos disponibilizados na área de e-learning da cadeira de Geografia Humana
de Portugal da Universidade Aberta.
Dados
estatísticos analisados e importados a partir do site da Pordata, acessível em https://www.pordata.pt/.
[1] Aluno do
curso de História da Universidade Aberta.
[2]
Na reforma judiciária de 2014 encerraram 20 tribunais, maioritariamente das
regiões interiores. In https://www.historico.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/governos-constitucionais/gc20/os-temas/reforma-judiciaria/novo-mapa-judiciario.aspx
[3]
No endereço https://pudding.cool/2018/10/city_3d/ temos acesso a uma perspetiva
espacial e tridimensional da densidade populacional de todo o planeta, permitindo-nos
visualizar a distribuição da população portuguesa pelo território duma forma original
e inovadora.
[4]
Surgiu mesmo o termo urbano-depressivo para classificar que ou quem
revela traços depressivos característicos ou decorrentes de ambientes urbanos.
in Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora,
2003-2021. [consult. 2021-05-22 14:22:26]. Disponível na Internet:
https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/urbano-depressivo.
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