O Barroco

O objetivo já não era tocar o céu, unir o terreno e o divino através das imponentes, mas também austeras catedrais góticas. Nem se pretendia prosseguir com o equilíbrio, a sobriedade e a racionalidade da arquitetura renascentista. A Roma dos Papas tinha outra receita para a majestade que a todo custo queria exibir. O barroco surgia como uma resposta ao cisma, vincando a diferença entre a igreja romana e o emergente protestantismo, materializando a sua imponência e omnipresença na vida dos homens. Mais do que agradar a Deus, pretendia-se impressionar os fiéis, inebriar os seus sentidos, apostando-se na exuberância, na teatralidade dos novos edificados religiosos e na produção artística patrocinada com intuitos ideológicos, quase propagandísticos, também como forma de devolver a uma acossada igreja, a dignidade e o esplendor perdidos.

Porque o clima político e religioso de Roma não era muito diferente do que se registava em outros pontos da Europa, a cultura barroca não só se alastrou às várias artes, como também se difundiu pelo velho continente e além Atlântico. Fizeram-se, contudo, interpretações e adaptações do estilo, variações sobre o original, por influência das culturas locais e nacionais, nomeadamente comedindo-se algum do aparato visual tipicamente italiano, com o seu excesso ornamental e gosto pelo movimento ondulado dos edifícios.

A Pompeia, a segunda esposa do Divus Julius, associava-se o provérbio “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta". E o barroco focava-se nisso, no parecer, anseio que não era um exclusivo das elites eclesiásticas. A doutrina absolutista disseminava-se pelas casas reais europeias, tendo no Rei-Sol, Luís XIV, o seu melhor exemplo. O espetáculo real exigia cenários que brilhassem aos olhos daqueles sobre quem se exercia o poder. O rei francês, que se julgava com mandato divino, foi o pináculo da ostentação e da estravagância que faziam escola entre uma aristocracia que, ainda que muitas vezes falida e ultrapassada pela alta burguesia que a financiava e com ela partilhava o desprezo pela simplicidade, aspirava distinguir-se dos demais, ostentar igualmente poder e prestígio, recorrendo ao luxo e ao exibicionismo.

Assim, como se multiplicaram por toda a Europa as grandes construções de carácter religioso, com um espírito vincadamente barroco, como as igrejas catedrais, paroquiais e conventuais, cresceu também o número de grandes palácios e residências de campo num mesmo estilo arquitetónicos, em que os edifícios eram concebidos como se de esculturas se tratassem. As políticas económicas mercantilistas implementadas com grande sucesso em França, permitiram a acumulação e concentração de enormes volumes de capital que por sua vez permitiram a realização de grandes projetos arquitetónicos. Mas se as construções eclesiásticas eram edificadas, por norma, junto ou integradas nos núcleos urbanos onde viviam os fiéis, concebendo-se praças onde estes se podiam concentrar, estando assim mais perto do público alvo que se pretendia impressionar e dominar, as construções civis podiam ser construídas longe dos aglomerados populacionais. Afinal, longe da realidade do homem comum, porque “Sempre pelo povo, mas nunca com o povo!”. Existia assim espaço circundante disponível para a construção de grandes jardins, geometricamente pensados e executados, pontuados com fontes, espelhos de água e elementos escultóricos que tinham de resto uma importância fundamental na expressão barroca. No fundo, o jardim como imagem idealizada do “paraíso”, que servia de cenário e realçava a beleza dos palácios e os distanciava do mundo imperfeito lá fora, marcado pela miséria.

À fachada dos palácios, composta por vários pisos, regra mantida da arquitetura renascentista, era dada especial atenção, agrupando-se ao centro diversos elementos arquitetónicos, como colunas ou pilastras, conferindo verticalidade à construção sem lhe retirar fluidez nas linhas. À nudez e simplicidade das linhas dos edifícios da renascença, que procuravam a simbiose com a luz natural que permitisse realça-las, a arquitetura barroca contrapunha um jogo de luz e sombras, obtido pela aplicação de saliências, reentrâncias, de numerosos e caprichosos elementos ornamentais esculpidos e de molduras aplicadas nas janelas ou sobre as paredes e as superfícies lisas, contribuindo para alcançar um efeito exuberante e distinto.  

O barroco francês, também por uma questão de diferença temperamental, distanciar-se-ia do italiano, apontando-lhe algum mau gosto, optando por fazer uma síntese deste com as tradições clássicas. O termo barroco seria inclusive utilizado pela primeira vez em França, em termos depreciativos, tal como acontecera em Itália, com o gótico. Será o modelo mais replicado nos restantes países da Europa, rendidos ao exemplo máximo da escola francesa que representa o imponente e megalómano palácio real de Versalhes, para onde se mudou a corte e o governo, com os seus jardins “à francesa”, com os quais o palácio se integrava harmoniosamente, radicalmente opostos à exiguidade italiana, neste aspeto. Também ao contrário do movimento ondulantes das estruturas italianas, Versalhes destacava-se pela simetria e harmonia do seu conjunto. Interiormente encontrava-se ricamente ornamentado com pinturas alegóricas, aplicações em ouro, decorado com tapetes e mobiliário dos melhores artesãos daquele tempo.

Já os países teutónicos, por seu turno, com igual sucesso que se replicará a leste, farão a síntese entre os barrocos italiano e o mais classicista francês. Finda a violenta Guerra do Trinta Anos, num retalhado território feito de inúmeras cortes reais e ducados, fervilham as encomendas a arquitetos e artesãos que desenvolvem um estilo que já adivinhava o rococó, marcado pela exuberância decorativa, com especial destaque para os interiores. As escadarias simétricas, os halls e os salões do Palácio do Belvedere espelham bem esta tendência, com as suas paredes profusamente ilustradas com pinturas alegóricas ou que criavam efeitos abstratos de infinito e profundidade e o recurso a estátuas integradas nos próprios pilares do edifício, como que se substituindo a estes na sua função estrutural e arquitetónica de sustentação das coberturas. Exteriormente o palácio do Príncipe Eugénio de Saboia destacava-se ainda pelos seus sete volumes, sendo o central o mais elevado, projetado para a frente, exibindo todo o exterior detalhes decorativos extravagantes e até grotescos.

Fase decadente do renascimento ou evolução natural deste, período fervilhante do ponto de vista económico, mas também conturbado, feito de guerras e perseguições, fome e miséria, as confrontações sociais, políticas e religiosas gritantes da época refletiram-se no barroco, esse período onde a pintura, a escultura e a arquitetura se fundiram de forma arrojada e provocadora, num exercício no sentido de exaltação de contrastes, levado ao extremo pelos arquitetos do século XVII, que tão bem souberam materializar o espírito duma época em que a emoção triunfou sobre a razão.

 

Bibliografia

CONTI, F. (1978). Como Reconhecer a Arte Barroca. Lisboa: Edições 70.

GOMBRICH, E. H. (2005). A História da Arte. Lisboa: Público.