É
em Histórias, de Heródoto, escrito
cerca de 450 a.C., que encontramos a primeira referência ao Atlantis Thalassa, o mar que fica para
lá das Colunas de Hércules (estreito de Gibraltar), que alimenta os medos dos
homens, povoado de monstros lendários, onde a água ferve a temperaturas
impossíveis de suportar. Nos séculos seguintes e durante a Idade Média, muito
se escreverá sobre a realidade da terra, do céu e do inferno, mas aquele mar continuará
destinado a alimentar lendas e mistérios.
No século XII o mar de Atlas [i] já era então para um jovem reino situado na finisterra, a parede, como assim bem o definiu Oliveira Martins [ii]. Muito antes dos navegadores portugueses do século XV a derrubarem, transformando-a num caminho para novos oceanos e culturas, contribuindo com a sua quota-parte para a morte da geografia medieval, Afonso I irá transformá-la em espada, em plena fase de expansão do reino, revelando possuir uma verdadeira perceção estratégica do mar.
Alguns meses antes da tomada de Lisboa, em 23 de maio de 1147, cruzados normandos e saxões embarcavam do sul de Inglaterra em 190 navios com destino à Palestina, na sequência da 2ª cruzada desencadeada dois anos antes pelo Papa Eugénio III. Uma paragem forçada desta armada no Porto, devido ao mau tempo, em 16 de junho, será providencial. O bispo da cidade tem instruções do próprio rei para convencer aquele vasto contingente militar para, a troco dos despojos da batalha, participar na conquista de Lisboa. A oferta será tentadora para os ambiciosos cruzados que antes do início das hostilidades com a moirama, ainda terão encontro com o rei conquistador para acertar detalhes de um saque que acabará por ser exagerado. A cidade será duramente espoliada, mas o mar e a ajuda que ele trouxe, será decisivo no cerco e conquista da cidade que capitula no dia 21 de outubro, 17 semanas depois de heróica resistência.
A receita repetir-se-á, com o mesmo sucesso e redobrada brutalidade, na conquista do castelo de Alvor e Silves (1189) e na conquista (definitiva) de Alcácer do Sal (1217), provando a importância estratégica que o mar tem na obtenção de espaço vital.
Os
reis portugueses logo tratam de recompensar os detentores de postos-chave na
frota régia, concedendo-lhes também as honras e regalias que os combatentes por
terra, a cavalo, possuem. Será D. Dinis o primeiro a assumir uma política
visando o domínio do mar, ao criar uma frota de guarda costeira, ao consolidar a
frota régia que passa a ser liderada pelo genovês Manuel Peçanha, com quem
firmará um contrato de cariz feudo-vassálico. Acompanham o almirante
todo-poderoso, 20 outros genoveses, experientes navegantes que muito irão
contribuir para o alargamento do saber náutico dos portugueses, além daquele
que vão buscar aos árabes. Ainda assim, depois de quase 30 séculos a usar a
navegação com vela, os navegantes terão de esperar até aos anos de Quatrocentos para, com a caravela
portuguesa, conseguirem navegar contra o vento.
Depois há a importância económica do mar, de onde o povo obtém o seu sustento sem descurar o amanho da terra. O atlântico destaca-se, talvez porque quanto do seu sal, são lágrimas de Portugal [iii], por ser de todos os oceanos o mais salgado, tendo a zona marítima portuguesa características únicas em termos de profundidade e variações de temperatura, ideais para certas espécies de peixe e a sua abundância.
O
mar e a navegabilidade dos principais rios são também propícios ao
desenvolvimento do comércio, ao escoamento da produção excedentária para
destinos distantes. A coroa, através de empréstimos, financiará o arranque de
empresas, fomentando as atividades da pesca, da extração do sal e do comércio
internacional. Simultaneamente tratará de implementar diversos mecanismos de
caráter burocrático, de modo a garantir o retorno do investimento, a eficiente
coleta de dízimas e portagens sobre os bens produzidos e transacionados. Este
apertado controlo é extensível aos mercadores estrangeiros, a quem são impostos
direitos alfandegários.
O
profícuo lavrador, verdadeiro
visionário, fomentará a construção naval e ordenará que se plante um pinhal em
Leiria, de onde no futuro virá grande parte da madeira utilizada na construção
das embarcações.
Não
foram o mar e a geografia decisivos no nascimento de Portugal, cuja origem está
antes relacionada com fatores estritamente políticos, militares e religiosos.
Mas o mar muito cedo se tornou num dos seus principais ativos. Foi determinante
no seu processo evolutivo, na sua história, como em nenhum outro país europeu,
fundamentalmente na expansão do reino, atuando como guia, levando-nos
inevitavelmente para sul, depois como última fronteira.
E conquistadas as últimas terras algarvias, chegados historicamente a um beco de aspirações expansionistas sem saída, ao invés do isolamento ou da implosão como nação, escolhemos o mar como vocação e destino.
Bibliografia:
COELHO, Maria Helena da Cruz - "Portugal- Um reino `plantador de
naus`", Revista Portuguesa de História, XLIII (2012), pp. 71-89. Acessível
na Plataforma de E-Learning da Universidade Aberta.
CUNHA, Tiago Pitta –
“Portugal e o Mar – À Redescoberta da Geografia”, Ensaios da Fundação (n.d.),
pp. 9-18. Disponível na Internet <URL: https://www.ffms.pt/FileDownload/cbf0c1de-7973-41ea-b7aa-b2e1a13312a7/portugal-e-o-mar>
2º Congresso
Histórico de Guimarães / D. Afonso Henriques e a sua Época
MARQUES, Paulo Lowndes – “Intervenção Britânica na Conquista de Lisboa – 1147”
(n.d.), pp. 50-59. Disponível na Internet <URL: https://ch.guimaraes.pt/uploads/actas/2CH/vol2/2ch-vol2-004.pdf>
Wikipedia (n.d.), [consultada em 30 de março de 2019]. Disponível na Internet <URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Oceano_Atl%C3%A2ntico>
[i] Um dos titãs na mitologia grega, condenado por Zeus a sustentar os céus para sempre.
[ii] (1845-1894), historiador
português.
[iii] Alusão ao poema de Fernando
Pessoa, Mar Português.
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