Dom Sebastião

Vinte e quatro anos antes daquele que seria o maior desastre militar de sempre da história de Portugal, no dia 20 de janeiro de 1554, D. Joana de Áustria tomava conhecimento do falecimento do seu jovem esposo, o príncipe João Manuel, ocorrido semanas antes. Nesse mesmo dia, dava à luz Sebastião, o Desejado. Sem dever matrimonial que a prendesse ao reino, não vendo na maternidade obrigação em nele permanecer, a parturiente retornaria a Espanha quatro meses mais tarde, deixando órfão o herdeiro do trono português, entregue aos cuidados dos avós, a também espanhola D. Catarina e o rei D. João III. Confiando a educação do neto à Companhia de Jesus, decisiva na formação do seu caracter e convicções, D. Catarina assume a regência do reino em 1557, com a morte do “Piedoso” em 1557. O quadro familiar do futuro rei e as questões relacionadas com a consanguinidade, são elementos incontornáveis que ajudam a explicar também o quadro mental e psicológico do futuro rei misógino, neuropata, presunçoso, doido, pateta ou degenerado, entre outros epítetos com que foi apelidado monarca nada consensual. Há quem defenda que não teria estado o povo português à altura da galhardia do seu Rei ou sublinhe o contributo do Sebastianismo para a consolidação da união e entidade nacionais. Não será despiciendo afirmar que a falta de contacto com sentimentos e laços familiares próximos, a ausência do afeto e das referências paternais, terão influído na formação da sua personalidade, onde se destacava uma intransigência patológica. Poderá disto ser sintomática a necessidade que o monarca teria de percorrer o reino e tomar contacto com aquilo que era a realidade da vida do povo, estabelecendo relações de proximidade incomuns, assim como a devoção pelos seus antepassados, o culto e admiração de um passado heroico e glorioso que também sonhava alcançar. 

Apesar de certa franja da nobreza portuguesa se queixasse da preponderância negativa dos jesuítas, que manteriam o monarca manipulado, quase refém e sob a sua exclusiva esfera de influência, aquele faz-se rodear de nobres cavaleiros que, tal como ele, procuram alcançar a glória pela força da espada, representantes de uma nobreza mais conservadora, frustrada pela falta de protagonismo, causas e campos de batalha onde pudesse demonstrar a sua honra e o seu valor, sentindo-se também relegada para segundo plano face à ascensão da importância da artilharia no campo militar. Essa mesma nobreza que não se conformava com a política do anterior Rei, de abandono do expansionismo terrestre no Norte de África, com a retirada de várias praças, mantendo-se apenas aquelas que se mostravam estratégica e estritamente essenciais para assegurar a segurança da navegação e expansão ultramarina e comercial, a verdadeira aposta do Reino e opção acertada face várias contendas territoriais e aos múltiplos problemas causados com o corso. O reino não possuía recursos e meios, essencialmente humanos, capazes de manter a integridade de todas as fronteiras do império também sob a ameaça dos Otomanos, cuja expansão havia sido travada no Mediterrâneo, na decisiva Batalha de Lepanto, tendo a intervenção de Espanha sido decisiva. D. Sebastião, caracterizado por uma obsessão bélica e um espírito de cruzada em certa medida anacrónico, mostrava-se ansioso por também fazer a sua parte no combate ao inimigo turco e na expansão da cristandade. No plano internacional, a Europa cristã fragmentara-se com a Reforma, sendo maioritariamente protestante a norte e católica a sul, perdendo o Papa de Roma o poder e protagonismo de outrora. Os reinos peninsulares mantinham-se na mesma causa religiosa, mostrando-se defensores acérrimos da igreja de Roma, laços comuns suportados também pela língua e interesses estratégicos que poderiam servir de pretexto e facilitar uma almejada união política defendida internamente por vários adeptos da causa unionista, seguindo, no entanto, D. Sebastião uma política de independência face a Castela, cuja influência desde há muito pairava sobre a governação do reino vizinho, nomeadamente na questão matrimonial do rei português, que permanecerá como uma das questões centrais da política externa portuguesa. Até que ponto os precedentes casamentos reais, por via de sucessivas nubentes espanholas com monarcas portugueses, não teriam constituído Cavalos de Troia para alcançar a conquista pacífica do reino de Portugal por parte do lado espanhol? Filipe II terá sido movido por algum maquiavelismo no relacionamento que manteve com o seu impulsivo sobrinho, na questão da intervenção militar no Norte de África. Quando tudo apontava para um quase garantido desastre, o espanhol não acompanhou, pelo menos com a necessária convicção, o coro de proeminentes vozes que desaconselhavam semelhante aventura, tendo inclusive disponibilizado tropas, embora a soldo do português, para a ambiciosa jornada, ao mesmo tempo que vendia armas aos mouros do Magrebe. Mesmo em pleno campo de batalha, a ordem de investida por parte das forças sob o comando de D. Sebastião, compostas pela nata guerreira nacional e inúmeros mercenários, terá sido precipitada a conselho de um alto responsável militar espanhol, numa espécie de agora ou nunca, quando a prudência aconselhava que as tropas aguardassem em posições defensivas. A grande jornada de D. Sebastião pelo Norte de África, que culminaria com a sua morte na “Batalha dos Três Reis”, arrastando um reino que investira tudo o que tinha e não tinha numa quimera, para uma profunda crise económica e sucessória, culminado com a sua perda de independência, para o domínio Filipino, durante 60 anos.

Bibliografia

CRUZ, Maria Augusta Lima – “D. Sebastião”, Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, pp. 183-194.

MEDINA, João – “O Sebastianismo – Exame Crítico de um Mito Português” – in “História de Portugal” –- Lisboa: Clube Internacional do Livro, 1996 - Vol. VI - pp. 277-296.

RAMOS, Rui, coord.; SOUSA, Bernardo Vasconcelos e; MONTEIRO, Nuno Gonçalo – “História de Portugal”, Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009 (livro

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