Durante os séculos XVI e XVII persiste a estrutura social medieval, assente nas três ordens, cada uma com um propósito na organização da sociedade. Contudo, a crescente complexidade desta e do aparelho burocrático e administrativo que a suporta, o dinamismo económico impulsionado pela expansão ultramarina e o comércio transoceânico, e no contexto da cultura renascentista, em cada uma das três ordens observa-se uma fragmentação em diversos estratos e categorias, dentro de uma mesma lógica hierarquizada.
No
que concerne à nobreza, esta alarga-se a novos atores sociais, encontrando-se desde
logo dividida e de certa forma polarizada, entre o sangue e o mérito. De um
lado, mais conservador, os fidalgos, aqueles que eram bem-nascidos, nobres por
nascimento, herdeiros dos valores tradicionais da honra, da bravura, da cavalaria,
com uma história ancestral marcada pelos feitos militares, pela lealdade régia,
pela conquista e propriedade da terra. Do outro, os mais empreendedores de
origem plebeia, que se distinguem por feitos não necessariamente de natureza
militar, antes pelo seu trabalho, pela importância da sua atividade profissional
ou comercial, por força da riqueza material acumulada, que passava a constituir
uma forma privilegiada de aquisição da almejada nobreza que, ainda assim, seria
sempre menos prestigiante que a de linhagem.
Se
no passado o poder residia nas armas e na coragem física, transferia-se agora também
para o dinheiro e ainda para as letras, sendo as universidades, portas de
acesso a carreiras que automaticamente conferiam o estatuto de nobreza
(Oliveira, 1984, pp. 35) contribuindo para a preservação do status quo das
elites, dos grupos privilegiados.
As
funções mais importantes, cargos nobilitantes, nomeadamente os relacionados com
o aparelho político e administrativo da Coroa, eram cobiçadas e detidas pela
nobreza que marcava presença na governação das colonias, nas magistraturas e
nas vereações, estas, posições que foram ganhando crescente prestígio porque nos
concelhos, que gradualmente conquistavam espaço ao senhorialismo, eram delegados
mais poderes e autonomia. Cargos elegíveis, mas circunscritos apenas aos mais nobres
e principais de cada terra, por vezes parentes entre si, permitindo aos seus
detentores não só a obtenção de privilégios diversos, como também a criação de
redes de contactos, potenciando a existência de autênticas oligarquias e o enobrecimento
das aristocracias locais que com a fidalguia, os mercadores e as casas senhoriais,
mantinham relações de clientelismo, financeira e politicamente profícuas.
O
dinheiro que afluía ao reino, numa abundância como nunca antes vista, pelos generosos
proventos do comércio do ouro de Mina, das especiarias do oriente e dos
escravos, era aplicado na aquisição de terras, com a finalidade de constituir morgados,
em palácios, em igrejas, capelas e conventos, precisamente naquilo que permitia
ostentar luxo e riqueza e também cair na boa graça divina. Observou-se uma emancipação
dos mais empreendedores e ambiciosos do Terceiro Estado, que almejavam ascender
socialmente tendo em comum com a fidalguia estabelecida, a ostentação, o
aparato, por vezes exagerado, e a exteriorização de uma série de códigos de
conduta e comportamentos relacionados com o ser nobre. Mais que ser, o parecer,
no dia-a-dia, em privado, mas também em público, em momentos especiais e ritualizantes
como eram as procissões. Só a certos estratos era permitido o uso de
determinados tecidos, cores e roupas e existiam os títulos nobiliárquicos, o tratamento
por “Dom”, “dona”, o “Vossa mercê” ou o “Vossa Excelência” que ainda perdura
atualmente como forma reverente e institucional de tratamento. Ainda outros
sinais exteriores de riqueza, como a posse de cavalos, criados e escravos, pormenores
distintivos de um grupo que buscava também alcançar as boas graças do poder
régio, mercês, tenças e comendas, o desejo último de pertencer à nobreza
cortesã, essa bem mais cristalizada, praticamente impermeável à miscigenação que
se observava na baixa e média nobreza.
A
ascensão social não se cingiria à meritocracia, alcançando-se por vezes por via
do matrimónio, cabendo neste aspeto ao rei a sua validação, forma de garantir o
equilíbrio de poderes e no interesse da manutenção e reforço do próprio poder
régio.
Bibliografia
OLIVEIRA,
António de – Poder e sociedade nos séculos XVI e XVII. In MEDINA, João, dir. –
História de Portugal. Madrid: S.A.E.P.A, Clube Internacional do Livro, 1984.
ISBN-84-408-0112-2 (Vol. VII). Pp. 11 a 47.
MAGALHÃES,
Joaquim Romero – No Alvorecer da Modernidade – A Sociedade. In MATTOSO, José,
dir. - História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1997. ISBN
972-33-1084-8 (Vol. III). Pp. 469 a 509.
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