O filósofo italiano Marsílio Ficino (1433-1499) classificou-o como “século de ouro”, quando as artes liberais, a gramática, a pintura, a música, a escultura e a arquitetura saíram da sombra do obscurantismo religioso, se libertaram duma igreja que reservava para si, quase exclusivamente, toda produção cultural e intelectual. O século XV fica marcado pelos novos sistemas de pensamento humanistas, pela ascensão das cidades como centros de criatividade e prosperidade, pela emancipação do individuo como criador e autor, papel até então reservado ao Altíssimo, deixando de ser mero executante da vontade e genialidade divinas. Não se passa a negar Deus, mas a realizá-lo através da razão.
É
o século da redescoberta entusiástica das virtudes artísticas e monumentais do
período greco-romano, assistindo-se do ponto de vista artístico e arquitetónico
a uma rutura com o estilo vigente, o gótico, que passa a ser considerado por muitos
contemporâneos renascentistas como uma forma de arte inferior. Não será difícil
imaginar que as grandes construções góticas, grandes catedrais que, até então,
tinham dominado de forma absoluta e austera a paisagem urbana, verdadeiras
obras primas do engenho humano cujo valor mais tarde viria novamente a ser
reconhecido, com o passar dos anos perdessem a beleza original e a luminosidade
conferida pela pedra utilizada na sua construção. Esta haveria de se
transformar com o negrume dos fungos e da humidade que gradualmente nela se entranhavam,
em algo de fantasmagórico, sinistro e opressivo, esteticamente desinteressante.
É,
pois, para o período clássico que se viram autores, intelectuais e artistas
renascentistas, nomeadamente os arquitetos, agora eruditos que ganham um novo estatuto
e notoriedade, buscando naqueles tempos remotos inspiração e conhecimento.
Sobram daqueles períodos áureos apenas ruínas, “velhas paredes, mas novas
para os espíritos modernos”[1]
onde são possíveis de ainda se vislumbrar construções de uma beleza e esplendor
que se pretende transportar para as grandes cidades Estado italianas, que viam como
prestigiante a associação à grandiosidade de Roma. Destaca-se neste
empreendimento Filippo Brunelleschi (1377-1446) que estudará sistematicamente elementos
decorativos da arquitetura romana, frontões, pilastras, cornijas, colunas de
capitel coríntio, fazendo sobre eles uma reflexão matemática e introduzindo-os
nas suas obras.
Mas
será Leon Battista Alberti (1404-1472) a ir mais longe na integração e
conjugação de distintos elementos ornamentais clássicos. Os arcos triunfais ou
os arcos dispostos em arcadas sustentados sobre colunas, os domos redondos, os
pórticos, e a própria estrutura dos edifícios, onde predominam as linhas
horizontais, convivem harmoniosamente entre si, obedecendo a determinada ordem
e medida. A forma de pensar o edifício é reformulada, importando agora a sua implantação
e funcionalidade no contexto da própria cidade. A renovação urbana passava a
ser pensada, ordenada e racionalizada, com os espaços públicos e privados a
dialogar e a interagir entre si. Passa a existir uma preocupação com a solidez
e segurança dos edifícios, aplicando-se formas geométricas básicas nas suas
plantas, erguendo-se em estrita obediência à simetria, à proporcionalidade e à perspetiva,
princípios estudados também por Brunelleschi.
Alberti
não rompe totalmente com as tradições gótica e tardo-românica, nem recria ou segue
escrupulosamente a tradição clássica, fazendo antes, de todas elas, uma
síntese, mesclando o velho com o antigo, obtendo o moderno, sempre com recurso a
critérios racionais porque só assim seria possível alcançar a beleza ideal.
Longe dos modelos medievais desorganizados, o edifício passava a ser como uma
obra de arte acabada, pensada e concebida para não ser posteriormente
desvirtuada.
O
tratado de Alberti sobre arquitetura, De Re Aedificatoria, onde enuncia normas
gerais para as construções, terá ampla aceitação entre os demais arquitetos
seus contemporâneos. Assentavam sobre três pilares fundamentais que afastavam
definitivamente a arquitetura do amadorismo: o da necessidade, onde eram
abordadas a forma e os materiais; da comodidade, sobre a adaptação do edifício
às suas funções e até estrato social dos proprietários; o do prazer,
relacionado com a decoração, ornamentação e a comodidade dos diversos espaços.
Com
Alberti inaugura-se época do belo e do sensível, da arquitetura como disciplina
científica, sumativa de várias outras, precedendo Da Vinci como verdadeiro “homem
universal”.
BIBLIOGRAFIA
Delumeau,
J. (1983). A Civilização do Renascimento (Vol. I). (M. Ruas, Trad.) Lisboa:
Editorial Estampa.
Gombrich,
E. H. (2005). A História da Arte. Ed. Público.
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