A Sociedade Romana

Refreado o ímpeto expansionista, os objetivos militares das legiões são agora defensivos, de preservação dos nove mil quilómetros de fronteiras, de imposição da Pax Romana[i], contribuir para a coesão social, política e económica do Império onde, no entanto, subsistem outras fronteiras, mais inexpugnáveis que a Muralha de Adriano, com protagonistas de ambos os lados tão diferentes como o são romanos e bárbaros. A sociedade está profundamente estratificada, cindida, sendo bem nítida essa linha que separa as camadas superiores – os honestiores – que representam cerca de 1% da população (ALFOLDY, pp. 161), e a plebe – os humiliores. A fortuna é o principal fator distintivo, com a qual se compram cargos, prestígio e poder, cultivando-se uma cultura elitista e aristocrática que alardeia estilos de vida inacessíveis ao famélico[ii] homem comum que, por norma, “tem poucas necessidades, tem uma grande estabilidade nos gostos” (LOT, pp. 118). Humildade ou subserviência, é acima de tudo um povo demasiado dependente, bem entretido com a eficaz política panem et circenses[iii] sob o pretexto de que é preciso “manter as desejadas boas relações entre a cidade e os deuses” (GRIMAL, pp. 240).

Com uma economia essencialmente agrária, é a posse da terra que gera riqueza e proporciona prosperidade aos latifundiários que tantas vezes também ocupam cargos de topo na hierarquia política e simultaneamente rentabilizam ao máximo os seus cada vez mais vastos domínios fundiários, as suas villae autossustentáveis, apostando no arrendamento de parcelas a colonos, servos e, principalmente, na exploração intensiva dos escravos, com todos os efeitos nefastos para a economia que depois, no longo prazo, se irão revelar. O modelo económico do Império é propício à usura e à concentração de capital, mas que não é posteriormente reinvestido na produção, na inovação, antes, na ostentação e sumptuosidade, que consequentemente expõem e acentuam vincadas desigualdades sociais. É praticamente inexistente uma classe média consumidora que estimule a procura, dinamize o comércio e as atividades dos artífices cuja produção é quase na integra canalizada para o limitado mercado de luxo da nobilitas.

Embora haja espaço para a meritocracia, com base nas capacidades pessoais, na instrução e lealdade, a mobilidade social está perto de ser uma quimera, existindo regras e requisitos bem definidos, como a imposição de fortuna mínima para ascender e progredir socialmente nas camadas dominantes, organizadas de forma corporativa, onde a inclusão se processa através de atos formais, como acontece na ordo equestre - que permite aceder a cargos públicos - e na mais hermética ordo senatorial – caracterizada pelos privilégios políticos -, esta ultima que, à falta de predestinados, se renova na primeira, com a qual o imperador mantém relações de grande proximidade, nem sempre pacíficas… O prestígio dos que detêm poder e influência sobre as massas traduz-se também num tratamento jurídico diferenciado e privilegiado, extensível à base das camadas superiores, à ordo decurional que, ao nível local, a par com os libertos ricos, exerce uma magistratura urbana e burocrática, uma extensão da mão sedenta de tributos do imperador.

Para a plebe, onde se incluíam os homens livres e libertos, todos sujeitos a diversas formas de servilismo, a condição de nascença é decisiva, mas para quem nasce escravo, o estigma é ainda maior. Não existem entre estes grupos significativas diferenças, nenhuma divisão hierárquica, estando todos sujeitos e reunidos na relação de dependência das camadas superiores. A maioria da população é largamente rural, constituída por camponeses livres, embora aprisionados em vidas rudimentares, subjugados por pesados impostos e com uma situação jurídica e existencial não muito diferente de um mero escravo. Não obstante ter uma existência igualmente dura e viver em condições por vezes miseráveis, a plebe urbana é contudo mais liberal, tem acesso a melhores condições de vida e divertimentos, maiores possibilidades de se organizar e intervir no espaço público, conseguir uma ocupação que não seja sujeitar-se à arbitrariedade das colheitas, da generosidade dos deuses e dos domini, do sustento proveniente exclusivamente da terra, podendo, pelo contrário, até dar-se ao luxo de parasitar a cortesia do Imperador ou de acólitos mais abastados que regularmente proveem as cidades com cereais. Nos círculos sociais inferiores das urbes, vive-se na expetativa de se conseguir os bons favores de um nobili, que um escravo atinja os 30 anos e tenha a possibilidade de obter cidadania, que seja “importado” da cidade para administrar uma grande propriedade rústica, algo frequente e que testemunha a diferença de estatuto dos escravos urbanos para os rurais que com muito menor frequência são libertados.

O tempo como que se encarregou de fazer cumprir uma espécie de justiça cruel, vingando o desprezado populus anónimo. O legado arquitetónico de Roma ainda é atualmente visível em inúmeros locais da Europa e no Norte de África, mas, o que resta, é apenas um vislumbre do que terá sido o esplendor da sua civilização, ao ponto de muitas das ruinas já só apenas apelarem á nossa imaginação. A história parece dizer-nos que tal como aconteceu com outras civilizações, nenhuma sobrevive quando assente na exploração do homem pelo homem.

Bibliografia

ALFÖDY, Géza – A História Social de Roma. Lisboa: Presença, 1989. 

GRIMAL, Pierre – A Civilização Romana. Lisboa: Edições 70, 1984. ISBN 972-44-0113-8

LOT, Ferdinand – O Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1918. 544 p. ISBN: 978-972-44-1364-8

 



[i] Expressão que designa o período compreendido entre o ano 29 a.C. e 180 d.C.

[ii]Roma é uma cidade de mendigos e continuará a sê-lo até à primeira guerra mundial.” (LOT, pp. 80)

[iii] A expressão política de pão e circo foi pela primeira vez utilizada pelo poeta Juvenal (50–127 d.C.), aludindo ao recurso à diversão como forma de entreter o povo e conter eventuais revoltas sociais.

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