Porque só esporadicamente eram convocadas e estando o poder totalmente concentrado na pessoa do rei, podíamos ser levados a pensar que as Cortes, também por não possuírem declaradamente competências legislativas, estariam muito mais próximas daquilo que são as atribuições e a natureza consultiva do atual Conselho de Estado que do Parlamento.
Contudo
Armindo de Sousa associa de forma inequívoca as Cortes à instituição
parlamentar, essa invenção europeia, apelidando-as mesmo de “O
Parlamento Medieval Português”, referindo que foram uma sede onde mais do que
as vozes do clero e da nobreza, foi a voz do Terceiro Estado que mais se fez
ouvir, representando as atas e os textos então elaborados nessas assembleias,
importantes fontes históricas que permitem responder a inúmeras questões que a
História das Mentalidades coloca.
Se
o Parlamento é parte integrante da estrutura governamental, com poderes[1]
bem definidos, obedecendo a procedimento regimentais, Sousa, lançando sobre as
Cortes o mesmo olhar que delas teriam os contemporâneos, define-as como sub-estruturas
da estrutura política global que, pese embora não deterem poder, estavam
dotadas duma autoridade amplamente reconhecida, autoridade essa que de facto
permitiam-lhes exercer várias daquelas que são as competências do Parlamento
moderno, desde logo, propor alterações ou novas medidas legislativas. E neste
sentido, podemos falar em poder da autoridade que se impõe, não pelo
medo, pela força das armas ou por imposição legal, mas antes pelo respeito que
lhe é devido, por estar vocacionada para o serviço de Deus, para o bem da
monarquia, honra da terra e proveito dos súbditos que às Cortes recorrem,
apelam e se submetem, tal é a sua legitimidade e prestígio. São reservas da
consciência nacional, da razão e do bom senso que podiam dar cobertura e
credibilizar, também, as próprias decisões régias. Não podem, no entanto, as
Cortes ser definidas como instituições ou enquadradas num qualquer modelo que tipifique
um órgão do Estado, dado o caracter casual da sua formação e, dir-se-ia também,
informal, espontâneo e desregulamentado do seu funcionamento. Teriam sido
precisamente estas particularidades que permitiam melhor exprimir e conhecer as
vontades e anseios do povo, se faria sentir genuinamente o pulsar das vidas das
gentes, através dos seus representantes. Mas estes, deputados das Cortes, não
eram meros porta-vozes da plebe, meros transmissores passivos. Embora
por vezes respeitassem, sem discussão, sentidos de voto previamente
estabelecidos, tinham uma autonomia de decisão e de argumentação próprias que a
sua notoriedade lhes concedia. Alega-se que as Cortes não teriam uma
representatividade nacional, porque nem todos os concelhos teriam nela
representação, porque muitas vezes os deputados, principalmente os do clero e
da nobreza, falavam e defendiam causas e pontos de vista muito pessoais, razões
para, além da ausência de fundamentos constitucionais, faltarem assim às
Cortes legitimidade democrática. Contrapõe Sousa, uma vez mais, recorrendo ao
pensamento da época, quando o critério da representatividade não era o número,
a escolha por maioria, mas antes a escolha pela qualidade, traduzindo-se numa
representatividade corporativa porque, na realidade, faltando-lhe o objetivismo
dos números, a escolha pela qualidade estaria sempre impregnada de
subjetividade. Pese embora, novamente à luz da época, certo era que
consensualmente era pela sociedade civil (este um conceito moderno) reconhecida
representatividade e, como acima se viu, autoridade às Cortes.
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