Há cerca de 5500
anos a necessidade do Homem comunicar e preservar conhecimento, levou-o a
procurar na argila e na pedra, esses longínquos antepassados do livro, os
suportes então ideais para transmitir conceitos abstratos sob formas
simbólicas. Desde os primeiros pictogramas sumérios, decorrerão muitos séculos,
será um trabalho de civilizações, até que surja o códice, uma copilação de folhas escritas que, agrupadas, definitivamente
identificam e transformam o livro na mais eficaz tecnologia transmissora do
saber, intimamente relacionada com o ensino e a educação.
As primeiras instituições escolares remontam ao século IV a.C. quando Isócrates abre a primeira Escola em 393 a.C., para depois, seis anos mais tarde, Platão fundar a sua Academia. O invasor Romano, tal como fará noutros domínios da cultura grega, saberá absorver estas instituições, aditando-lhes novos conceitos como a disciplina e o Direito. Se numa primeira fase o ensino é uma iniciativa da República, a posterior conversão ao cristianismo por parte de um Império intelectualmente estéril, coloca as instituições eclesiásticas, pela sua proximidade e influência junto do tecido social e político, em condição de serem as aglutinadoras e guardiãs do conhecimento clássico, ao mesmo tempo que o fecham ao homem comum. As primeiras escolas paroquiais, surgidas no século II d.C., seguem uma educação estritamente imbuída dos valores cristãos e exclusivamente vocacionada apenas para a formação dos futuros clérigos.
O surgimento do
movimento ermita e consequente estilo de vida asteta e autossuficiente, a
dedicação exclusiva dos monges às orações, ao estudo e ao ensino, transforma os
mosteiros em importantes centros culturais. É ali que, fechados nas suas
oficinas de escrita e iluminura, nos seus scriptorium
e bibliotecas, os amanuenses desempenham um papel fundamental na
preservação dos textos clássicos, efetuando cópias de manuscritos, ornamentadas
com caligrafia de inspiração merovíngia e iluminuras, verdadeiras obras de arte
que ilustram e realçam as ideias e o conteúdo dos textos. É um trabalho de
grande minúcia, dispendioso, feito com devoção, visto como um serviço a Deus
que vale a redenção. Há tempo para um trabalho demorado (cerca de duas folhas e
meia por dia) porque a demanda por livros manuscritos é mínima e grande parte
da produção copista não será feita para ser lida. Os livros são bens mais materiais
que espirituais, destinados apenas a enriquecer os tesouros das igrejas e a adornar
as casas dos clientes régios e particulares ricos.
Com alguma abertura
ao exterior, as escolas monásticas já oferecem um ensino que abarca
considerável número de matérias, ainda que rudimentares se comparadas com os
padrões atuais: a leitura, a escrita, o latim, alguma aritmética, gramática,
retórica, dialética e a indispensável bíblia que devia saber-se de cor. Mais
tarde surgem as escolas episcopais, visando especialmente a formação do clero
secular e de leigos instruídos que serviriam como defensores da doutrina da
igreja no seio da vida civil.
As escolas
palatinas surgem num período de desenvolvimento cultural verificado durante o
reinado de Carlos Magno (768-814), a que se designou de “Renascimento
Carolíngio”. Com programas organizados em trívio (disciplinas formais) e
quadrívio (disciplinas reais), o estudante podia aspirar a estudar artes
liberais como a geometria, astronomia, medicina ou música. Estas escolas de
ensino superior recentravam o ensino na esfera do Estado, estando direcionadas
aos leigos mais jovens da nobreza que ali recebiam uma educação também militar
e cortesã. Era um ensino ainda sob a orientação da igreja, que continuava a ser
a detentora das grandes bibliotecas, com recurso ao método de aprendizagem
escolástico, um compromisso entre o pensamento crítico e racional, herdeiro da
filosófica grega, e as exigências da fé e dos valores espirituais da
cristandade, num esforço de estreitar a distância entre a filosofia e a
teologia.
Menos intelectual
e erudita, a educação dos futuros cavaleiros, incidia na formação militar e
física, nos valores da honra, da palavra dada, mais estética, inspirada em
lendas e epopeias, privilegiava-se o refinamento e a etiqueta. Nas escolas de
trovadores cultivavam-se os costumes palacianos, a poesia, os jogos de luta por
amor, formas de agir na sociedade cortesã, saberes que eram também transmitidos
ás mulheres pelos beneditinos. De sublinhar ainda a importância das escolas
grémias, fomentadas pelas guildas, onde se aprendiam ofícios essenciais ao
quotidiano das cidades medievais que prosperam, onde todos têm o seu lugar e
função, onde são cada vez mais aqueles que preferem os estudos à guerra e o
intelectual medieval ganha o seu espaço, repondo “em marcha a máquina da história” (LE GOFF, Jacques) até então
imobilizada pelos católicos. São humanistas, cientistas, investigadores,
vagabundos e os tradutores, que traduzem não só o Alcorão do inimigo mas também
os seus tratados científicos, porque será preciso conhecê-lo e combatê-lo também
no terreno intelectual.
É a partir do
século XI que o ensino formal deixa as paredes dos mosteiros e a igreja perde o
monopólio do pensamento. As novas escolas catedrais, seculares e as universidades,
são estruturadas a partir do projeto educacional de Magno que, entretanto, com
a sua morte, caíra no esquecimento. Apoiadas pela burguesia, um novo grupo
social, à margem da sociedade feudal, nos seus programas de ensino são
incorporados elementos culturais judaicos, árabes, persas (consequência também
das cruzadas) e redescobrem-se os autores clássicos. Há uma mudança de
paradigma: os mestres passam a seguir a
escola (HASQUINS, Charles H.) e não o contrário. As universidade transformam-se
em centros de pesquisa e produção de saber, onde fervilham novas correntes
interpretativas e doutrinárias e cujo controlo não deixará de ser disputado
pela Igreja, indisponível para perder o protagonismo ideológico que exerce há
vários séculos.
Definem-se
estatutos que variam de universidade e curso, regulamentando a duração destes,
as idades mínimas de ingresso, os diferentes graus académicos, os programas e
os exames, estes, realizados no decorrer de festejos e banquetes, ritos
programados onde a tribo intelectual
cria laços de cumplicidade. São também fixadas obrigações morais e os
equipamentos onde o livro, ferramenta de trabalho principal do intelectual
medieval, ocupa o lugar de maior destaque, sofrendo diversas mutações: na
escrita, agora adaptada a um novo contexto mais científico e racional; no
formato, passando a conter folhas mais finas, mais brancas, fruto dos
progressos técnicos; e no aspeto gráfico, com mudanças ao nível do tipo de
letra e com menos ornamentações. Uma maior procura obriga a uma maior oferta e
consequentes cedências no requinte das cópias e agilização no processo de
produção. Explica-se o uso recorrente das abreviaturas por parte dos copistas
que já não são, na sua maioria, monges, mas antes artesãos laicos
especializados e estudantes de origens humildes que obtêm assim uma fonte de
subsistência. As páginas passam a ser numeradas, surgem os índices, o livro é
agora consultado mais vezes, é mais fácil manusear, torna-se num produto portátil,
industrial, transacionável gerando um negócio onde florescem os livreiros (stationarii) com as suas oficinas junto
das universidades, expandido a sua atividade editorial além fronteiras.
A par das
transformações ocorridas na educação, desenvolveu-se uma nova relação do leitor
com o livro. De uma atividade de leitura quase física, de um ensino baseado na
oralidade dos mestres, que apelava a uma memória prodígiosa, para a posse do
livro e a sua leitura folheada, de uma forma assim mais prática, silenciosa e
intimista, com inequívocos reflexos na forma como o conhecimento passou a ser
interiorizado.
Bibliografia:
LE GOFF, Jacques –
Os Intelectuais na Idade Média. 2ª
edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2006
LOYON, H.R. – Dicionário da Idade Média. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997
SANTOS, Gislene; PAULISTA, Maria Inês – Idade Média x Idade Mídia [em linha]. 2009. (s.d.) [consultado em 15 de abril de
2019]. Disponível na Internet < https://docplayer.com.br/7139256-Idade-media-x-idade-midia.html>
Wikipedia (s.d.), [consultada em 15 de abril de 2019]. Disponível
na Internet < https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro>
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