A Democracia Ateniense

Vivem-se tempos conturbados no extremo oriental do continente europeu. Sucedem-se regimes políticos nos vários estados independentes ali existentes, onde se destacam os maiores, Esparta e Atenas. À monarquia sucedem-se alternadamente ora as oligarquias, ora as tiranias, sempre na esperança de se debelarem convulsões sociais que igualmente se sucedem, encabeçadas por um povo economicamente emergente mas sem voz no governo dominado pelos eupátridas ou ‘bem-nascidos’, uma aristocracia a caminho da falência incapaz de tirar benefício do desenvolvimento do comércio e da indústria.

Em Atenas Drácon e Sólon estão entre os primeiros legisladores a ensaiar aquilo que seria já um esboço da democracia, redigindo códigos de Leis que operam uma divisão de poderes que se mantém na atualidade. O dêmos deixa de estar submetido à justiça arbitrária da aristocracia. Com Sólon, os atenienses são divididos em quatro classes sociais[1] com base nos seus rendimentos, distinções decisivas no acesso aos cargos e órgãos institucionais: o Areópago[2] composto por ex-Arcontes[3], membros das classes mais altas, a Assembleia[4], a Boulê[5] e os Tribunais da Helieia[6]. O legislador e poeta inova ao permitir a participação de todos os Atenienses na Assembleia, independentemente da riqueza ou classe.

Entra em cena Pisístrato, um déspota iluminado que mantém as instituições pré-democráticas a funcionar, obedecendo à constituição de Sólon. Governa num período de grande prosperidade económica e cultural e ao isentar os mais pobres de impostos, pratica um ato de justiça social que ainda hoje é um exemplo seguido pelas democracias modernas. Os seus descendentes, no entanto, apenas irão provar como pode a tirania ser detestável, despertando a rebelião do povo que, por volta de 510 a.c., finalmente coloca um dos seus no poder. Clístenes, considerado o ‘pai da democracia’, é um reformista que implementa a demokratia como um sistema de governação onde todos os cidadãos livres (do sexo masculino) com mais de 18 anos podem participar de forma direta nas questões políticas da pólis. A oposição não tem vida fácil. Com o ostracismo, blinda o sistema, impondo penas de exílio de dez anos a quem de algum modo ameace os ideais democráticos.

Não obstante as reformas efetuadas, exponenciadas depois por Péricles, apenas entre 10% a 15% dos cidadãos podem usufruir dos seus direitos democráticos. Da vida política são excluídas as mulheres e os escravos, desde logo uma vasta fatia da população Ateniense. Esta exclusão não se estende aos dias de hoje. A escravatura foi há muito abolida e as mulheres têm direitos cívicos iguais aos dos homens.

Péricles, um verdadeiro estadista, tem uma importância enorme na consolidação da democracia. Novos conceitos passam a fazer parte da vida quotidiana dos Atenienses, ideais que se mantém atuais. A insonomia que proclama a igualdade de todos os cidadãos perante a Lei, independentemente da classe ou gênero; a isegoria, o direito à liberdade de expressão; a isocracia, a igualdade no acesso ao poder.

Se existem muitos pontos de contacto entre a democracia ateniense e a moderna, como a ausência de direitos políticos dos menores, outros há que, como a forma de escolha dos participantes nos órgãos institucionais (como era o caso da Boulê e a Helieia), através de sorteio, não subsistem. Atualmente os cidadãos escolhem os seus representantes (democracia representativa) através do sistema de voto secreto. De outra forma, a participação direta seria virtualmente impossível. Em certa medida este fator causa uma espécie de angústia no cidadão eleitor, porque é apenas um voto entre milhões, um voto em representantes que muitas vezes não conhece, sentindo-se assim alheado da discussão e das decisões políticas onde eventualmente se podia imaginar a participar com o mesmo fervor dos Atenienses. Poderá encontrar-se aqui alguma explicação para os elevados níveis de abstenção que se verificam eleição após eleição.

Durante o período clássico, democracia esteve em constante mutação e aperfeiçoamento, sendo talvez o maior legado da civilização grega para a humanidade. Continua a ser um eterno trabalho em progresso, um desafio para a sociedade moderna, contrariar um certo fatalismo que se deteta nas palavras, também irónicas, proferidas por um grande estadista do século passado, quando se referiu à democracia como sendo o pior dos regimes políticos, mas não há outro sistema melhor.[7]

 

Bibliografia

FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I – Grécia, Universidade Aberta, 1996, Acessível através da plataforma de E-Learning da Universidade Aberta.

 



[1] Por ordem decrescente de rendimento das terras que possuíam: Pentacosiomedimnos, hippeis, zugistas e tetas.

[2] Supremo tribunal onde se decidiam crimes contra o Estado e assuntos relacionados com a ciência e educação.

[3] Cargo vitalício, depois decenal e anual a partir do Séc. VII a.c., o arconte era um magistrado supremo que compunha um colégio de nove lugares.

[4] Ou Eclésia, assembleia popular, aberta à participação das pessoas comuns, onde eram designados os magistrados e tomadas decisões com vista à resolução dos problemas da pólis.

[5] Ou Conselho dos 400 (depois 500), funcionava como contrapoder do Areópago e comissão executiva da Assembleia.

[6] Tribunal popular, de apelação, composto por 6000 cidadãos sorteados entre aqueles com mais de 30 anos.

[7] Winston Churchill (1874-1965).

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