O período compreendido entre os séculos XVI e XVIII corresponde genericamente a uma época áurea da história de Portugal, durante qual o país ascendeu à condição de potência imperial ultramarina, obtendo um protagonismo à escala global que jamais se repetiria.
Não
obstante o impulso verificado no final do século XV na produção industrial, internamente
o país possuía um tecido económico essencialmente agrário, setor que ocupava a
maior parte duma população apostada apenas na autossubsistência. No virar do
século, o modelo económico do país, que iria perdurar pelas próximas três
centúrias, já se baseava no comércio de especiarias, materiais amoedáveis e de
escravos, permitindo a canalização de um fluxo de capitais massivo para o reino
que variado património monumental então edificado, é atualmente disso testemunha,
um pouco por todo o país. Iriam ocorrer mutações no modelo económico mercantil,
numa primeira fase expansiva do império e de monopólio das principais rotas
comerciais, depois com a concorrência direta de outras nações na exploração dos
filões de recursos e matérias primas de África, Ásia e Brasil, até, finalmente,
á desagregação do império.
No
início do século XVI a produção manufatureira ocorria fundamentalmente em
contexto familiar, um trabalho doméstico que complementava e não substituía o
trabalho rural, satisfazendo encomendas de agentes mercantis sedeados nas
maiores cidades. Os produtos assim produzidos, essencialmente relacionados com
a fiação e tecelagem de lanifícios, seguiam depois para oficinas em ambiente
urbano, passando para a próxima etapa duma linha de produção que se
estendia do campo à cidade. Nas oficinas os produtos eram alvo de intervenções que
exigiam técnicas mais complexas, nomeadamente a tinturaria e a estampagem. A
produção de tecidos destinados ao vestuário, tratando-se de produtos de
primeira necessidade com forte procura, era uma atividade que se estendia a
todo o território onde igualmente marcavam presença outros setores como o metalúrgico,
embora mais centralizado, exigindo maiores infraestruturas e matéria prima que
era parcialmente importada. Neste aspeto, em termos de dimensão e complexidade
logística, destacava-se o complexo industrial da Ribeira das Naus, onde se
concentravam múltiplas atividades relacionadas com a construção naval, um setor
estratégico diretamente financiado e tutelado pela Coroa.
A
partir do final do século XVII começam a ser implementadas políticas
protecionistas e de fomento das artes visando equilibrar a balança
comercial que vinha acumulando sucessivos déficits. O Estado passava a limitar
as importações de produtos de luxo com a promulgação de pragmáticas e a
garantir o monopólio de determinados setores estratégicos à iniciativa privada,
assumindo as unidades de produção criadas a classificação de real fábrica.
Assiste-se então a uma deslocação de capital para os meios rurais, onde se
encontra uma mão de obra menos reivindicativa e, de fora, importasse know
how, assumindo o Estado o papel de facilitador na contratação desses
especialistas através da sua rede de embaixadas, aliciando-os com prémios,
despesas de deslocação e alojamento pagas.
A
partir do século XVIII o fabrico de produtos transformados é muito influenciado
pela procura das populações rurais, centrado principalmente no vestuário,
utensílios domésticos, artefactos de metal e instrumentos agrícolas,
verificando-se uma propagação de artífices pelas vilas e aldeias e um
crescimento das exportações e do consumo nas grandes cidades, como Lisboa, onde
se concentra uma população com mais poder de compra, assumindo nas transações os
têxteis um lugar de destaque[1].
O Estado reforça o seu papel interventivo e fomentador na economia, apostando
na concentração de capital e trabalho de todas as fases de produção que como já
vimos atrás, se repartiam em o campo e a cidade. O investimento privado em unidades
fabris, que quando concebidas de raiz, ostentavam uma exacerbada
monumentalidade que teria os consequentes custos que naturalmente influíam na
sua competitividade, era igualmente compensado com isenções fiscais e
exclusividade no fabrico. De especial eficácia vão revestir-se diversas medidas
Pombalinas, aplicando-se então um plano de fomento estruturado, visando
concretamente a substituição de importações, intervindo o Estado na
administração de algumas das muitas unidades fabris criadas, apostando-se em
técnicas de produção inovadoras e na monitorização da produção, ficando as
empresas obrigadas, pelas contrapartidas da exclusividade de produção, a
praticarem um limite nos preços. Não obstante, o tecido industrial português era
caracterizado e dominado pelas oficinas ou pequenas unidades de produção e só a
um ritmo lento vão sendo incorporadas nos processos de fabrico algumas das
inovações tecnológicas e a mecanização que já era uma realidade nos países
anglo-saxónicos.
Em
certa medida a partir do século XV o país virou-se para fora, para o mundo,
teve essa capacidade e audácia, mas esqueceu-se de olhar para dentro, para o
investimento produtivo e gerador de riqueza, para o desenvolvimento interno de infraestruturas
e estruturas de produção que de algum modo pudessem mais tarde precaver e
atenuar a perda de receitas ultramarinas. A partir de finais do século XVII, a indústria
portuguesa passaria a estar quase exclusivamente refém da limitada procura
interna que, pelas suas características (rurais) era pouco exigente
constituindo, também, um obstáculo á inovação. É certo que o império fomentara
o desenvolvimento da manufatura e de unidades de produção industriais na
metrópole, relacionadas com a construção naval, como o cordame, o velame, o armamento
e até os biscoitos que serviam de base da alimentação durante as grandes
travessias oceânicas. No entanto, a longo prazo, não seriam estas estruturas
produtivas capazes de assegurar um modelo de desenvolvimento sustentado, continuando
o país, parco em recursos naturais, dependente de importações noutros sectores,
nomeadamente na alimentação, calçado e produtos industriais e manufaturados,
entre os quais os de luxo que constituíam um autêntico sorvedouro de capitais. O
que acontecia com a cortiça, matéria prima de que o país era exportador, ilustrava
bem o modelo económico (vicioso) então vigente: a cortiça era vendida a
Inglaterra para depois ser recomprada a um custo substancialmente acrescido,
sob a forma de rolhas. O único tratamento aplicado às matérias primas que
transitavam pelos portos portugueses consistia na aplicação de taxas
alfandegárias e aduaneiras, seguindo o seu destino em direção a outras nações,
fomentado as respetivas indústrias transformadoras.
Enquanto
a Revolução Industrial prosseguia (literalmente) a todo o vapor em
Inglaterra e as restantes potências coloniais já se perfilavam para seguir o
mesmo caminho de desenvolvimento, Portugal fazia a sua entrada no século XIX com o seu território devastado em
consequência das guerras napoleónicas, economicamente estrangulado com o fim do
pacto colonial, com uma deficiente rede de transportes, uma industria de
pequena escala e um povo familiarizado com a miséria.
Bibliografia
COSTA,
Leonor Freire; LAINS, Pedro; MIRANDA, Susana Munch – História Económica de
Portugal, (2ª edição), Lisboa, A Esfera dos Livros, 2012
[1] No princípio do século XIX, 43%
dos operários da indústria recenseados estão empregados no setor têxtil
(História Económica de Portugal, pp 244).
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