A Expansão Portuguesa no Norte de África

Algo de grandioso se prepara em Lisboa. Além da prontidão de toda a frota régia, que durante o reinado de D. Dinis tinha visto a sua importância e dimensão reforçadas, a mando de El-Rei D. João I, os laboriosos estaleiros nortenhos trabalham afincadamente na construção de mais fustas, naus e galés e, por todo o reino e mais alem, nota-se a ânsia em recrutar homens de armas para um misterioso empreendimento. As ordens militares agitam-se, pressentindo-se que a espada e a fé voltarão a unir-se em breve, depois dessa batalha de tão boa memória para os portugueses, mas onde a fé dela tinha estado ausente, ou não fosse todo o sangue então derramado apenas o de cristãos. A nobreza guerreira não podia estar mais galvanizada depois de Aljubarrota e ansiava por se ocupar, satisfazer um impulso expansionista que há gerações e gerações a recompensava com honras e privilégios. O clero via com bons olhos também a expansão dessa fé cristã que tantas almas podia resgatar ao Islão e agradar ao Papa, e a burguesia, mais que sangue ou qualquer doutrina que não fosse a do lucro, interessava-lhe novos mercados e produtos que o reino, tal era a escassez de recursos naturais, não tinha condições de proporcionar para se autossustentar.

Mas o que mais conquistar, se o reino estava pacificado e fazia fronteira com o mar tenebroso e um poderoso vizinho? Castela encontrava-se ainda a braços com a presença muçulmana na Andaluzia, território que considerava seu por se encontrar na direção da reconquista. Portugal, que fizera a sua parte, ainda se sentia tentado a conquistar aqueles territórios ocupados pelos mouros, contudo pesava mais a paz recentemente alcançada com Castela, muito à custa do poderio do aliado inglês[i] que habilmente o Rei português soubera captar para a sua esfera, impondo receio e respeito do outro lado da fronteira. Esse mesmo rei, Mestre de Avis, num sinal de boa vontade, vai esperar por um pedido de ajuda espanhol que, eventualmente, por orgulho ferido em 1385, nunca chegará. O que chegará serão preciosas informações colhidas por dois espiões, repletas de detalhes que ajudam a reforçar a convicção de que a operação de grande envergadura que se prepara, terá tudo para chegar a bom porto. As cortes de toda a Europa mostram-se perplexas com as movimentações, havendo necessidade de tranquilizar algumas delas, nomeadamente a Espanhola sem, todavia, nunca ser revelado o verdadeiro objetivo. Podiam assim as energias e recursos do país serem canalizados para essa grande empresa que se avizinhava, que haveria de reconhecer mérito a um Rei que, talvez por ser bastardo, sentia essa necessidade de afirmação e legitimação, se concretizasse algo audacioso que surpreendesse o mundo cristão.

Parte então no dia 25 de julho de 1415 do Tejo uma armada impressionante composta por cerca de 200 navios[ii] e 20 mil homens, seguindo á frente deles o próprio rei e os seus filhos. Faz-se saber que teriam os infantes recusado serem armados cavaleiros em Lisboa sem a glória que agora se propunham alcançar, conquistando a famosa cidade de Ceuta ao inimigo muçulmano e simultaneamente abrindo-se caminho ao encontro do mítico reino cristão de Prestes João que heroicamente resistiria algures no coração do mundo árabe. Nunca imaginando que pudessem alguma vez os infiéis ousar desembarcar em terras de africanas, a pacífica e praticamente desarmada cidade situada na península de Almina era então uma urbe enorme, importante interposto comercial com o oriente, onde afluíam mercadores de todo o mediterrâneo e norte de áfrica. Mas era também porto de abrigo para piratas muçulmanos que constantemente atacavam navios mercantes cristãos, local estratégico que permitia controlar a entrada e saída de navios no Mediterrâneo e que, tal como Lisboa, vira a sua importância reforçada no contexto do crescente intercâmbio comercial que então se realizava entre o norte da Europa Atlântica e o sul mediterrânico.

O reino periférico encurralado na finisterra por um mar que vinha ganhando gradual importância económica e estratégica, como sucedera na fase final do processo de reconquista[iii] e que se revelava cada vez mais uma oportunidade ao invés de um obstáculo, dava assim o primeiro passo para a continuação da sua expansão territorial fora do continente europeu, conquistando em poucas horas o primeiro território ultramarino. A resistência mínima não evitaria o massacre dos impios muçulmanos, tal era a desproporção de forças e o fundamentalismo religioso que movia os soldados das quinas. Além do saque do qual terão sido beneficiários principalmente as tropas que nas primeiras horas irromperam violentamente pelas ruas da cidade, Ceuta viria a revelar-se um fiasco do ponto de vista financeiro, verificando-se um êxodo não só das populações como dos mercadores marroquinos que a passaram a evitar.  De cidade próspera, Ceuta tornar-se-ia ela própria dependente de uma já depauperada metrópole. Se só a custo de considerava manter aberta esta ferida no orgulho muçulmano, muito menos avançar no árido território que se avistava era lógico, face ao parco número de colonos que estavam a dispostos a, depois, ali se fixarem. Pese embora a peste décadas antes ter dizimado grande parte da população, Portugal não prescindia da sua veia expansionista nem tão pouco da colonização das ilhas dos Açores e da Madeira, tal era a importância estratégica que detinham para o domínio exclusivo da navegação em todo o espaço atlântico conhecido. A tais descobertas e outras futuras que se seguirão, devia-se o empreendedorismo do infante Henrique que, em Sagres, funda uma escola onde reúne todo o saber e estado da arte da navegação marítima e da cosmografia, recorrendo aos conhecimentos da antiguidade e do próprio inimigo, mais avançados. A seu mando e ao ritmo de novas inovações ao nível da construção dos barcos e da disposição das velas, partirão inúmeras expedições que rumam a sul explorando sempre um pouco mais além a costa africana, onde se fundam várias feitorias, depois das conquistas de Alcácer Ceguer, Arzila e, finalmente, Tânger. A presença portuguesa no norte de África ganhava assim expressão ficando patente o plano de D. Henrique em conquistar o império marroquino e sondar até que ponto se estendia a influência islâmica. Além dos interesses militares instigados pela nobreza senhorial, existia o interesse científico, da atração pelo desconhecido, porque é inato ao ser humano o querer mais e ir sempre mais além, juntando-se ainda o interesse da burguesia mercantilista em estabelecer relações comerciais preferencialmente pacificas. Mantinha-se a frágil conjuntura económica do reino que em parte já explicara Ceuta, interessando igualmente alcançar-se um caminho marítimo alternativo ás rotas do oriente que, por terra, encontravam-se agora sob domínio otomano. Por outro lado, no ocidente verificava-se uma escassez de metais valiosos como o ouro e a prata que serviam como moeda de troca na obtenção de especiarias e outros produtos orientais, urgindo encontrar novas fontes de abastecimento. D. Henrique fará do atlântico o seu feudo, permitindo a exploração económica das zonas descobertas a troco de taxas e direitos cobrados à iniciativa privada obtendo ainda avultados rendimentos resultantes da rota triangular dos escravos enviados para a Ilha da Madeira, onde se produzia açúcar que por seu turno era trocado por ouro sudanês. O modelo e experiência colonial adquirida nesta ilha será útil na futura colonização do Brasil.

Ao lançar-se na grande aventura dos descobrimentos e estando em posição privilegiada, impelido pelas suas forças sociais para o fazer, aproveitando o atraso no processo de reconquista de Castela, Portugal posicionou-se em pontos estratégicos no continente africano e nas ilhas atlânticas que de outra maneira mais tarde ou mais cedo seriam ocupados pelo poderoso vizinho. Dessa forma conseguiu posteriormente afirmar-se como grande potência e em última instância garantir uma soberania que de outra forma estaria a curto prazo comprometida.

 

Bibliografia

Recurso aos vários textos disponibilizados na Plataforma de E-Learning da Universidade Aberta.

MARTINS, J.P. Oliveira – História de Portugal, 3ª Edição, Lisboa, Livraria Bertrand, 1882 – disponível no site da Biblioteca Nacional de Portugal (http://purl.pt/217)

RAMOS, Rui, coord.; SOUSA, Bernardo Vasconcelos e; MONTEIRO, Nuno Gonçalo – História de Portugal, A Esfera dos Livros (livro em formato .pdf)

 



[i] A aliança anglo-portuguesa foi estabelecida em 1373 sendo acionada a colaboração das tropas inglesas na Batalha de Aljubarrota; posteriormente em 1386 seria assinado o Tratado de Windsor, ainda em vigor.

[ii] Oliveira Martins contabilizou “33 galeões grandes, 27 menores, de três bancos de remeiros, 32 galeras e 120 fustas, transportes, e outros vasos secundários. Iam embarcados cinquenta mil homens.”

[iii] Note-se a importância de armadas militares nas conquistas de Lisboa, Alcácer do Sal ou Silves.

Sem comentários:

Enviar um comentário