“E, se o piedoso Eneias navegou
De Cila e de Caríbdis o mar bravo,
Os vossos, mores cousas atentando,
Novos mundos ao mundo irão mostrando.”
Luís
Vaz de Camões será talvez aquele autor que melhor compreendeu e melhor foi
capaz de escrever o guião de grande parte daquilo que nos norteia enquanto
povo, do que nos define, do ser português, da alma lusitana.
Se
tivemos o engenho de “dar novos mundos ao mundo”, tivemos igual
capacidade de nos adaptar a esses mundos e duma forma particularmente distinta
de outras potencias coloniais, muito menos agressiva e intrusiva que a
espanhola, por exemplo, “pois, sendo menos violentos, menos racistas e mais
dispostos à miscigenação, deram origem a sociedades mestiças de harmonia
racial. Tal dever-se-ia ao facto de o povo português ser ele próprio resultado
de migrações e cruzamentos raciais e culturais com mouros e judeus.”
(FREYRE)
Esta
nossa qualidade ou virtude pacifista, esta nossa bonomia, tolerância e até por
vezes excessiva reverência para com os povos estrangeiros, traduz também uma
disponibilidade e propensão para a emigração, que sempre fez parte do ADN do
português. Remonta ao século XV a primeira vaga significativa de emigrantes,
com a descoberta das Ilhas Atlânticas dos Açores e da Madeira, visando o seu povoamento,
sendo posteriormente no século XVII ainda mais evidente um enorme êxodo de
portugueses rumo a África, às Índias Orientais e ao Brasil, após a descoberta
das minas de ouro e de pedras preciosas naquele país.
Se
na 45ª estrofe da sua obra magna Camões, ele próprio neto de emigrantes
galegos, desafiava os portugueses para feitos tão ou maiores que os de
lendários gregos, em pleno processo de intervenção do FMI, iniciado em 2011,
era então o próprio chefe do governo português que os exultava a sair da sua
“zona de conforto”, numa clara alusão à emigração, à busca por melhores
condições de vida que, o país, na fase intervencionada resultante da crise
internacional das dívidas soberanas, eclodida no final de 2008 e que arrastou
com ela importantes players do sector financeiro português, não tinha
possibilidade de proporcionar.
Três
anos depois das polémicas palavras de Passos Coelho, à época bastante
criticado, um Portugal em recessão e com uma taxa de desemprego acima dos 15%
assistia à saída massiva de jovens desocupados para outros países, na sua
maioria mão de obra altamente qualificada, na qual o país investira em
formação, para agora ser aproveitada por outros, acusavam os delatores de um
primeiro ministro que, logo no início do seu mandato, num exercício de eventual
excesso de sinceridade mas desastroso do ponto de vista motivacional, anunciara
que só empobrecendo sairíamos da crise.
Em
2014, no auge dessa crise económica que afetava o país, de acordo com dados do
Instituto Nacional de Estatística, sairiam do país 134,624 emigrantes
portugueses que permanente ou temporariamente fixariam residência no
estrangeiro. Alguns anos mais tarde, em 2017, de acordo com dados da ONU, a
população de emigrantes portugueses atingiria o seu máximo histórico,
fixando-se nos 2,266,735, distribuídos principalmente por países europeus
(66,3%) e continente americano (26,1%). Com 22% da sua população total
emigrante, a percentagem mais alta dos países da União Europeia, Portugal
situava-se em 27º lugar na lista de países do mundo com maior número de
emigrantes, representando quase 1% da totalidade de emigrantes existentes no
mundo.
Desde
o pico de saídas[1],
por força da retoma económica verificada no país, coincidente com uma alteração
no rumo político, ocorrida com a substituição de um governo de direita que
apostava na austeridade por um inédito formato de coligação de esquerda[2]
apostado em fomentar políticas dinamizadoras do mercado interno, o número de
saídas de emigrantes tem vindo a decrescer, parecendo estabilizar nas 80 mil
saídas anuais, conforme demonstram os números verificados nos anos de 2017 e
2018 (81,051 e 81,754, respetivamente).
Malgrado
o decréscimo acentuado de entradas nos últimos anos (-17% em 2018 face ao ano
anterior), para valores agora próximos dos registados em 2011, fundamentalmente
devido ao Brexit, o Reino Unido continua, no entanto, a ser o país que mais
atrai os emigrantes portugueses, seguido da Espanha e da Suíça. Apesar do custo
de vida elevado em Londres, muitos emigrantes portugueses fixam-se nas zonas
periféricas, dividindo casas arrendadas, atraídos não só pelas oportunidades de
emprego, mas também pela cultura da meritocracia existente e as garantias e
privilégios que o sistema social inglês oferece.
A
atração por Espanha é justificada pela proximidade geográfica, da língua, por
um estilo e custo de vida não muito diferente do português, mas com um nível
médio de vencimentos bastante superior. O número de portugueses residentes
neste país apresenta uma subida consistente nos últimos quatro anos, parecendo o
reino espanhol estar a recuperar o lugar cimeiro que ocupou durante muitos anos
como principal destino da emigração portuguesa.
Já
na Suíça, desde há muito um destino tradicional de emigração, um país estável e
próspero, refúgio das grandes fortunas mundiais que parece sempre escapar-se
entre os pingos da chuva, poderemos afirmar que ocorrerá um fenómeno de
captação efetuado pelos próprios emigrantes já ali presentes há muito anos. É
mesmo o segundo país do mundo com a maior presença de emigrantes portugueses
(217,662 em 2018), depois da França que, não obstante uma acentuada diminuição no
fluxo de novos emigrantes, à qual não será alheia a insegurança e
conflitualidade social verificada nos últimos anos, continua a ser, de longe, o
país com mais emigrantes portugueses (595,900 em 2018).
Não
será despiciendo justificar-se em parte o impulso verificado na emigração
portuguesa que com maior evidência se verificou após a entrada no país na União
Europeia e depois por força da crise económica de 2008, também pelo sucesso do
programa Erasmus, implementado em 1987. Depois da experiência de estudo no
estrangeiro, os participantes neste programa estão igualmente mais predispostos
a exercer a sua atividade profissional fora do país.
O
fenómeno da emigração tem também relevância estratégica para o país que vai
muito além do volume de remessas que anualmente é remetido pelos emigrantes,
superior a 3,6 mil milhões de euros em 2018, correspondente a 1,8% do PIB. As
sinergias resultantes da emigração conferem-lhe uma importância social e
económica mais lata, quando se percebe que são cada vez mais os gestores e
políticos portugueses a ocupar lugares de destaque nas grande empresas e
organizações internacionais e também no desporto, em particular no futebol, com
cada vez mais jogadores e treinadores emigrantes a alcançar uma projeção que em
muito contribui para a difusão da lusofonia, a valorização da marca Portugal e
a sua afirmação no mundo.
Bibliografia
ARROTEIA,
Jorge Carvalho - Aspetos da Emigração Portuguesa. Revista Electrónica de
Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] Nº 94
(30), 1 de agosto de 2001 (disponível no sítio http://www.ub.edu/geocrit/sn-94-30.htm)
GARRAIO, Júlia – Cartografia afro-lusa de Cultura, Língua e
Artes, Lusotropicalismo. 2017 (disponível no sítio https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/48494/1/Lusotropicalismo_Cartografia%20afro-lusa.pdf).
VIDIGAL, Inês; MOURA, Carlota - Emigração Portuguesa.
Relatório Estatístico 2019. Lisboa, Observatório da Emigração e Rede Migra,
CIES-IUL, ISCTE-IUL. DOI: 10.15847/CIESOEMRE062019 (disponível no sítio http://observatorioemigracao.pt/np4/home).
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